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do marxismo ao cristianismo – Leonardo Boff e Frei Betto

Tanto na filosofia quanto na teologia, parece contraditório conciliar o entusiasmo tanto pelo marxismo quanto pelo pensamento cristão. Isso porque essas correntes divergem profundamente. O marxismo, com sua crítica ao capitalismo e sua visão materialista, frequentemente se coloca em oposição às estruturas religiosas, consideradas instrumentos de controle social. Já o pensamento cristão, especialmente na vertente tradicional, valoriza a fé e a transcendência, colocando Deus no centro da existência humana. Contudo, figuras como Leonardo Boff e Frei Betto romperam essa aparente “dicotomia”, demonstrando que é possível encontrar, sim, questões semelhantes entre essas duas visões.

Leonardo Boff e Frei Betto, representantes de destaque da Teologia da Libertação, conseguiram unir de maneira simples elementos do cristianismo com a crítica social marxista, desenvolvendo ações e pensamentos que buscam a justiça social, a defesa dos oprimidos e a construção de uma sociedade mais igualitária, princípios que dialogam tanto com o Evangelho quanto com as ideias de Marx. Na prática pastoral, ambos propuseram um cristianismo voltado para a transformação social, onde a fé se concretiza em ações a favor dos marginalizados e pobres.

Boff, em seus escritos, explora a ideia de que o cristianismo genuíno não pode se distanciar da realidade social e das necessidades humanas. Ele propõe uma espiritualidade engajada, que se preocupa com a dignidade humana e com a criação de um mundo fraterno. Para ele, o marxismo oferece uma análise social rigorosa que pode ajudar os cristãos a entender as causas estruturais da pobreza e da exclusão.

Frei Betto, por sua vez, combinou sua atuação como frade dominicano com uma militância política ativa, destacando-se por seu trabalho ao lado de movimentos populares e sua crítica às injustiças sociais. Suas obras refletem a tentativa de integrar a espiritualidade com a luta revolucionária, argumentando que a fé cristã, quando vivida de forma autêntica, exige um compromisso com os pobres e com a transformação das estruturas opressoras da sociedade.

Longe de serem contraditórios, Boff e Frei Betto mostraram que o marxismo e o cristianismo, dentro de uma perspectiva social e política, podem, sim, dialogar. Ambos são movidos por justiça, solidariedade e igualdade. O cristianismo, valorizando o amor ao próximo, e o marxismo, na superação das desigualdades sociais, resultando em um projeto comum de emancipação humana. Não à toa que são considerados gênios do pensamento contemporâneo; Boff e Frei Betto ofereceram à sociedade novas perspectivas sobre o papel da religião e da política na construção de um mundo mais justo.

Tiago, na epístola (carta) no Novo Testamento, destaca a importância de ajudar o próximo, especialmente no contexto da prática de boas obras e da fé viva. Um dos versículos mais conhecidos é Tiago 2:14-17, que afirma que a fé sem obras é morta. Embora haja algumas divergências teológicas quanto ao seu contexto, isso implica que, para Tiago, a verdadeira fé se manifesta através de ações, como ajudar os necessitados e praticar a justiça social. A aplicação literal e sintetizada deste texto se aplica à teologia desses dois pensadores. Eles transformam as boas ações em um evangelho ‘praxis’, e não somente de palavras, como também era exaltado por São Francisco de Assis. É certo que quem luta por esse tipo de evangelho não pensa em um reino distante metafísico de salvação individual, mas num coletivo espiritual onde, ainda aqui na terra, o verdadeiro reino a ser conquistado transborda em caridade.

Fontes

BOFF, Leonardo. Igreja: carisma e poder. Petrópolis: Vozes, 1981.

BOFF, Leonardo. Oração na libertação: meditações a partir da prática. Petrópolis: Vozes, 1991.

BOFF, Leonardo. Teologia da Libertação: no início de um novo milênio. Petrópolis: Vozes, 1997.

BETTO, Frei. Fidel e a religião: conversas com Frei Betto. São Paulo: Companhia das Letras, 1985.

BETTO, Frei. A mosca azul: reflexão sobre o poder. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.

BETTO, Frei. O amor fecunda o universo: ecologia e espiritualidade. Petrópolis: Vozes, 2010.

COUTINHO, Carlos Nelson. Marxismo e política: a dualidade de poderes e outros ensaios. São Paulo: Cortez, 1996.

BÍBLIA SAGRADA. Tradução de João Ferreira de Almeida. 2. ed. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.

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