Não há como negar: o mundo do entretenimento parou com o anúncio da compra da Warner Bros. Discovery pela Netflix, por exatamente US$ 72 bilhões. O martelo caiu na manhã desta sexta-feira (5), finalizando, por meio de leilão, o acordo para adquirir os estúdios de cinema e a unidade de streaming da Warner Bros., o que equivale, para nós, a cerca de R$ 382 bilhões. Os acionistas da Warner receberão US$ 27,75 por ação, pagos em uma combinação de ações da Netflix, totalizando um valor aproximado de US$ 82,7 bilhões. E, acredite se quiser, a Netflix ainda ofereceu um incentivo extra: uma taxa de rescisão de US$ 5 bilhões caso órgãos reguladores bloqueiem a operação.
A aquisição é gigantesca, pois une a maior plataforma de streaming do mundo a um dos estúdios mais tradicionais de Hollywood. Isso inclui a HBO e uma biblioteca recheada de séries e filmes de sucesso, como Harry Potter, Friends, Os Sopranos e The White Lotus, além dos estúdios físicos em Burbank, Califórnia. A compra marca uma virada estratégica drástica para a Netflix, que até então apostava e um tipo de terceirização licenciada, em vez de ser proprietária de tudo.
O processo de venda foi extremamente concorrido. Paramount, Skydance e Comcast entraram na disputa, gerando até algumas contendas legais e acusações de favorecimento à Netflix. Por conta do tamanho do negócio, a transação certamente passará por um pente-fino jurídico tanto nos Estados Unidos quanto na Europa e, nesse sentido, é natural que existam preocupações sobre monopólio e, claro, sobre os impactos para o consumidor final.
O acordo bilionário reflete a profunda transformação que a indústria está vivendo. Por exmeplo, a TV a cabo da Warner registrou uma queda de receita de 23%, um sinal claríssimo da migração para o streaming. Em contrapartida, a Netflix fechou seu ultimo ano com US$ 39 bilhões em receita e um valor de mercado de US$ 437 bilhões, consolidando de vez sua liderança.
Dessa forma, a aquisição não é só um negócio; é um marco e, sim, um ponto de inflexão na indústria, gerando debates intensos sobre o futuro do cinema tradicional, o mercado de streaming e, talvez o mais importante, o destino das grandes franquias. A fusão coloca a Netflix como uma potência multifacetada, mas também traz complexidades financeiras e levanta questões culturais relevantes.
O Fim da Era do Cinema? O Ponto de Vista da Netflix
É bom lembrar que as lideranças da Netflix não tem sido discreta em suas opiniões polêmicas sobre o cinema. Neste mesmo ano, o co-CEO Ted Sarandos afirmou que ir ao cinema é, para “a maioria das pessoas”, algo ultrapassado. Ele defende a ideia de que o streaming atende ao que o público realmente quer: assistir ao conteúdo no conforto de casa. Segundo Sarandos, o modelo tradicional de cinema não é mais essencial para o espectador moderno, e o streaming tem potencial para “salvar Hollywood”, democratizando o acesso a filmes e séries.
Para complementar, Reed Hastings, cofundador da Netflix, já havia sugerido em 2016 que certos cinemas “estrangulam o negócio de filmes”, dificultando a expansão e a inovação no setor (Terra, 2025; The Guardian, 2025).
A questão crucial agora é: a partir da compra pela Netflix, será que as grandes produções cinematográficas da Warner, que antes passavam obrigatoriamente pelos cinemas, podem ir direto para as plataformas digitais? Talvez não aconteça imediatamente, mas é possível que vejamos essa tendência nos próximos anos. Essa perspectiva levanta a preocupação de que a experiência cinematográfica perca força, resultando em filmes mais guiados por algoritmos e com foco puramente comercial. Há o receio de que isso possa reduzir a diversidade artística e a ousadia criativa da sétima arte, privilegiando conteúdos de alto apelo comercial — crítica já direcionada ao próprio catálogo da Netflix (The Guardian, 2025).
Implicações para a Warner, Franquias e Conteúdo
A Warner Bros é um conglomerado imenso. Além de filmes e séries, engloba licenciamento de produtos, jogos, animações e franquias populares, como o universo DC. A integração desses ativos pela Netflix poderia expandir significativamente sua presença em mercados como games e merchandising, consolidando o controle sobre propriedades intelectuais de valor global inestimável (Boston Globe, 2025).
Quanto às franquias mais valiosas da Warner, como a DC, a aquisição coloca o controle de personagens, séries e filmes nas mãos da Netflix. O que ela pode fazer? Transformá-los em conteúdo sob a lógica do streaming: lançamentos rápidos, séries continuadas e produtos com apelo global. Isso, em tese, poderia levar a uma “industrialização” do conteúdo, priorizando volume e audiência, o que talvez sacrifique um pouco a qualidade artística ou a narrativa cinematográfica tradicional. Por outro lado, a Netflix também pode investir pesado no fortalecimento e diversificação dessas franquias, aproveitando a estrutura que a Warner já possui e integrando-a a outras frentes do entretenimento.
Análise de Mercado: Otimismo vs. Ceticismo
Como era de se esperar, a aquisição provocou opiniões divergentes entre analistas. Rich Greenfield, da LightShed Partners, vê a operação como uma jogada estratégica, argumentando que a Netflix, ao comprar a Warner, pode gerar sinergias importantes, reforçar seu portfólio e aumentar o valor para o assinante com um “supercatálogo” acessível, inclusive com mensalidades mais baixas ou facilidades de pagamento em escala global (Business Insider, 2025; Forbes Brasil, 2025).
Porém, há os céticos. Analistas como os da Huber Research apontam riscos consideráveis. A fusão representa uma mudança drástica de um serviço de streaming puro para um conglomerado de estúdios complexo, acarretando elevada dívida e incertezas sobre o retorno financeiro do investimento. Esses críticos questionam se os benefícios de ter o catálogo da Warner compensam os riscos estratégicos e financeiros de uma aquisição desse porte, podendo, no pior cenário, afetar a empresa negativamente a longo prazo (GuruFocus, 2025).
Basicamente, os otimistas apostam na capacidade de execução da Netflix, nas sinergias de conteúdo e na escala como fontes de valor. Já os céticos destacam a complexidade da integração, o risco de endividamento e a sobrecarga operacional.
Em suma, a aquisição da Warner Bros. pela Netflix é um equilíbrio delicado. De um lado, promete ampliar o acesso global a uma variedade imensa de filmes, séries e franquias, consolidando a Netflix de vez. Do outro, há o risco real de enfraquecer a experiência do cinema tradicional e de transformar produções icônicas em conteúdo ultra-comercial e orientado por dados. O futuro da indústria dependerá de como a Netflix dosará a eficiência do streaming com o legado cultural e criativo da Warner Bros., garantindo que o cinema não perca sua relevância em um mercado cada vez mais focado no consumo digital e imediato.
Referências
Boston Globe. What Netflix’s acquisition of Warner Bros. means for the movies. 2025. Disponível em: https://www.bostonglobe.com/2025/12/05/business/netflix-warner-bros-what-to-know/. Acesso em: 5 dez. 2025.
Business Insider. Why Netflix says its Warner Bros. deal won’t be a failure like other media mega-mergers before it. 2025. Disponível em: https://www.businessinsider.com/netflix-warner-bros-discovery-deal-wont-repeat-past-acquisition-flops-2025-12. Acesso em: 5 dez. 2025.
Forbes Brasil. Netflix comprará estúdios e unidade de streaming da Warner Bros. Discovery por US$ 72 bilhões. 2025. Disponível em: https://forbes.com.br/forbes-money/2025/12/netflix-comprara-estudios-e-unidade-de-streaming-da-warner-bros-discovery-por-us72-bilhoes. Acesso em: 5 dez. 2025.
GuruFocus. Netflix Stock Falls. Wall Street Is Worried About Warner Deal’s High Price and Debt. 2025. Disponível em: https://www.gurufocus.com/news/3235840/warner-bros-discovery-wbd-netflix-deal-raises-concerns. Acesso em: 5 dez. 2025.
Terra. Presidente da Netflix diz que cinema é “ideia ultrapassada” e streaming está salvando Hollywood. 2025. Disponível em: https://www.terra.com.br/diversao/entre-telas/filmes/presidente-da-netflix-diz-que-cinema-e-ideia-ultrapassada-e-streaming-esta-salvando-hollywood%2Cacf2377b339f669543973b4b33c26eb03wxmiyiu.html. Acesso em: 5 dez. 2025.
The Guardian. Netflix chief Ted Sarandos says cinemagoing is ‘outmoded’ and the streamer is ‘saving Hollywood’. 2025. Disponível em: https://www.theguardian.com/film/2025/apr/24/netflix-chief-ted-sarandos-says-cinemagoing-is-outmoded-and-the-streamer-is-saving-hollywood. Acesso em: 5 dez. 2025.
