Para o cidadão carioca, tudo continua como antes — afinal, desde sempre o Rio de Janeiro enfrenta níveis alarmantes de violência. Lembram da fatídica operação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), lançada em 2008, que tinha como objetivo retomar o controle de favelas dominadas por traficantes? Pois é. Apesar de promissor, o programa enfrentou diversas limitações e acabou sendo, aos poucos, abandonado.
E foi justamente nesta terça-feira (28) que o governador do Rio de Janeiro, em conjunto com a Secretaria de Segurança Pública do estado, resolveu apostar em uma nova tentativa de combater esse tipo de violência, mas, desta vez, recorrendo a toda sorte de truculência.
Como se sabe, toda a opressão imposta pelos traficantes à população do RIO, desde a tomada de territórios até a restrição de serviços básicos, é, desgraçadamente, uma realidade no contidiano. No entanto, algo aconteceu: o até então considerado incompetente governador, Cláudio Castro, possível pré-candidato ao Senado pelo PL em 2026, promoveu uma megaoperação com o intuito de iniciar a aniquilação total da ocupação de territórios pelo narcotráfico, apontado como um dos maiores desafios da cidade. A operação foi conduzida de forma quase autônoma e unilateral, dividindo opiniões nas redes sociais: para alguns, representou um grande êxito; para outros, tratou-se de mais um ato de violência sem precedentes.
Logicamente, isso colocou a polícia carioca na linha de frente, com a missão de subir o Complexo do Alemão, no bairro da Penha onde está localizada a bases do Comando Vermelho (CV), uma das maiores facções criminosas do país, e atuar também em áreas adjacentes, com o objetivo de prender traficantes. Entre os alvos, um dos líderes mais procurados e perigosos, conhecido como “Doca”.
Embora não tenham conseguido localizar o tal “Doca”, as forças policiais cumpriram as ordens recebidas, assumindo todos os riscos possíveis e registrando algumas baixas entre seus agentes, além de possíveis civis, ainda não confirmados.
A questão é a seguinte: tudo isso poderia até parecer positivo para o governo Cláudio Castro, se não fosse o envolvimento de questões políticas bastante estranhas. Afinal, uma “megaoperação” para combater o narcotráfico no Rio de Janeiro, de uma vez por todas, seria, e sempre será, bem-vinda, pois é exatamente o que o carioca deseja há décadas. No entanto, alguns fatos começaram a se desenrolar, levantando diversas especulações.
Na primeira entrevista após a operação, o governador elogiou o comando da polícia e classificou as ações como exitosas, mas também fez duras críticas ao governo federal, sugerindo estar “sozinho” e sem apoio nessa batalha. A declaração causou estranhamento, já que, no momento da operação, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encontrava-se em viagem internacional, com comunicação limitada.
Segundo o governador, ele teria solicitado apoio ao governo federal, incluindo o envio de tanques da Marinha, mas o pedido teria sido negado. O governo federal, por sua vez, negou ter recebido ou recusado qualquer solicitação.
Com base na legislação vigente, se o governador Cláudio Castro tivesse buscado algum tipo de intervenção das Forças Armadas, poderia ter sido necessária a decretação de uma Garantia da Lei e da Ordem (GLO), prevista no artigo 142 da Constituição Federal. Isso implicaria um reconhecimento explícito de que sua gestão estadual não estaria em condições de enfrentar o narcotráfico sozinha, quase como um atestado de incompetência.
Tal medida deixaria não apenas o governo de Castro em situação delicada, mas também o seu partido, que hoje se mantém como uma das principais forças de oposição ao governo federal.
Segundo o governador, a solicitação não teria sido por uma GLO, mas apenas por equipamentos das Forças Armadas, para que estas pudessem atuar em apoio à segurança estadual. O pedido de tanques da Marinha, segundo ele, teria como finalidade transpor as barricadas erguidas por criminosos nas entradas das favelas.
Outro aspecto político interessante é que a segurança pública continua sendo um dos calcanhares de Aquiles do atual governo, tema que, inclusive, contribuiu diretamente para a eleição de Jair Bolsonaro em 2018. Assim, de maneira consciente ou não, Cláudio Castro conseguiu reacender o discurso da direita, trazendo de volta uma pauta antiga que, politicamente, tende a render bons frutos ao campo conservador, associada ao velho jargão: “bandido bom é bandido morto”.
De fato, diante das recentes derrotas da direita brasileira, reacender esse debate, ainda mais no Rio de Janeiro, um dos estados de maior expressão bolsonarista, parece uma estratégia oportuna. Caso se confirme como uma manobra política, pode-se dizer que deu resultado: o tema da violência voltou ao centro do debate nas redes sociais, e a direita voltou a respirar por aparelhos.
O carioca que não questionar essa história da “megaoperação” urgente, que coloca em risco não só inocentes, mas também policiais, resultando em mais de 100 mortos e parando praticamente toda a economia do estado, não é realmente carioca. O Rio de Janeiro, um dos cartões-postais do país, tem sido repercutido de forma negativa. Sim, perante todas as narrativas dessa história, a situação é, no mínimo, absurda.
Não obstante, só quem vive na Cidade Maravilhosa sabe o quanto é letal e ameaçador conviver com essas condições. As ocupações de comunidades e favelas por narcotraficantes têm restringido o direito de ir e vir dos cidadãos que moram na cidade — uma realidade que precisa ser combatida, mas não por meio de politicagem ou polarizações superficiais, e sim pela união de todas as forças possíveis, em busca de soluções não somente imediatas, mas duradouras.
