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“Um museu de grandes novidades”: o SBT e seu atestado de falta de criatividade

Um verdadeiro “museu de grandes novidades” — como disse Cazuza — parece ser o que define a recente programação do SBT. A emissora, sob o comando de Daniela Beyruti, filha de Silvio Santos, adota o slogan “SBT Raiz”, em uma tentativa de resgatar a identidade do canal. Contudo, o que se observa é um retorno jocoso a fórmulas antigas, em sua maioria marcadas pela falta de diversidade, pelo sensacionalismo e por uma estética antiquada e brega.

A grade do canal, que se apresenta como “nostálgica”, acaba por escancarar a ausência de compromisso com as pautas sociais contemporâneas, especialmente no que se refere à diversidade racial, de gênero e de classe. A emissora ainda reproduz, em muitos casos, uma lógica de hegemonia branca e elitista, dificultando a visibilidade de outras vozes e corpos que fogem do padrão dominante (RAMOS, 2019).

Essa escolha editorial está diretamente relacionada ao perfil da emissora, que historicamente priorizou conteúdos sensacionalistas e alienantes. O SBT construiu sua identidade explorando o apelo emocional e o entretenimento razo, como mostram programas do passado comandados por Gugu Liberato, nos quais o sensacionalismo sexual e o humor escrachado eram tratados como mecanismos legítimos de audiência. A célebre “Banheira do Gugu”, exibida nos anos 1990, é um exemplo claro de uma lógica televisiva que desconsidera os limites éticos em nome da popularidade (MIGUEL, 2002).

Além disso, Silvio Santos, frequentemente retratado como gênio da televisão brasileira, também merece ser visto sob outra perspectiva. Parte considerável de sua fortuna foi construída a partir da venda de produtos como Tele Sena e títulos de capitalização, voltados principalmente para públicos de baixa renda, muitas vezes sem o devido esclarecimento sobre os riscos desses investimentos (ORTELLADO, 2016). Assim, a relação entre entretenimento e exploração da vulnerabilidade econômica de seu público não pode ser ignorada.

Nomes como Hebe Camargo, igualmente celebrados na proposta do “SBT Raiz”, também refletem essa construção simbólica elitista: uma apresentadora adornada de joias e referências conservadoras, sem histórico de compromisso com pautas sociais significativas. Embora figuras como ela tenham sido importantes na história da televisão, seu legado precisa ser analisado com senso crítico.

O SBT, ao optar por essa “engenharia reversa” de si mesmo, parece confessar sua incapacidade de inovar. Em vez de se abrir ao novo e dialogar com os dilemas da contemporaneidade — como a democratização da mídia, o combate à desinformação e a inclusão —, a emissora reafirma valores ultrapassados e estruturas de programação que colaboram pouco com a formação crítica da audiência.

Dessa forma, o que resta à empresa Silvio Santos é contribuir com um desserviço público, promovendo conteúdos que reforçam estereótipos, enquanto se autoproclama exemplo de bom jornalismo e se autopremia, como ocorreu no último Troféu Imprensa — prêmio que está longe de corresponder à realidade. O “SBT Raiz” é, portanto, menos uma homenagem à história da emissora e mais uma prova de sua paralisia diante dos novos tempos.

Referências

MIGUEL, Luiz Felipe. Mídia e política no Brasil: jornalismo e entretenimento no final do século XX. São Paulo: Revan, 2002.

ORTELLADO, Pablo. Mídia, consumo e desinformação: uma análise das estratégias do entretenimento popular. Revista Cult, São Paulo, n. 210, 2016. Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/midia-consumo-e-desinformacao/. Acesso em: 17 maio 2025.

RAMOS, Janaina. A representação da diversidade na televisão brasileira. Rio de Janeiro: Mauad X, 2019.

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