Por favor, não vamos reduzir o prêmio de Fernanda Torres, vencedora do Globo de Ouro de Melhor Atriz em Filme Dramático por Ainda Estou Aqui, a uma guerra absurda de polarização ideológica. Não, isso não é justo. Será que precisamos repetir aquela frase que a própria atriz tem repetido várias vezes? “O prêmio não é da direita nem da esquerda, é do Brasil”.
E sim, nossa Fernandinha recebeu um dos prêmios mais importantes do cinema mundial e, com a falta de credibilidade da academia, este é, atualmente, o prêmio mais importante do cinema. Dane-se o Oscar!
Fernanda foi brilhante ao lado do diretor Walter Salles, em um filme que, a meu ver, não representa o melhor trabalho do diretor. Trata-se de uma trama melancólica e, às vezes, previsível, mas que parece ter se encaixado perfeitamente em Fernanda Torres. Sua atuação traz dinamismo à obra, explorando cenas intensas, mas ao mesmo tempo sutis, que fazem o espectador se conectar profundamente com sua personagem.
A forma introspectiva com que Fernanda interpreta, por meio de gestos silenciosos e alegrias contidas, torna-se angustiante em alguns momentos, talvez por remeter a uma época de opressão, quando os sentimentos de dor eram contritos. Essa abordagem dialoga com a construção do roteiro, que transmite essa sensação de maneira eficaz, provocando uma reflexão sobre o comportamento daquela época.
A fotografia é encantadora. Salles, apaixonado por ‘película’, juntamente com genial Adrian Teijido, conseguiu reproduzir magistralmente os ruídos e granulados com um tom sépia (não me recordo de ter visto uma fotografia tão bela nos últimos anos). Os ruídos foram incorporados como elemento narrativo, funcionando esteticamente para nos situar na linha do tempo. Eles aumentam, diminuem ou até desaparecem, refletindo a evolução das câmeras analógicas para as digitais. Assim, essas composições imagéticas também foram essenciais para o sucesso do filme.
Enfim, vale repetir: não se pode dizer que Ainda Estou Aqui seja o melhor filme de Salles, mas parece ter sido feito em todos os moldes para que Fernanda Torres triunfasse, e isso é o que basta.