Bom, é claro que você sabia que o nome “Lúcifer” significa “estrela da manhã”, derivado do hebraico הֵילֵל (Helel), transliterado como hêlêl ou heylel, que também pode ser interpretado como “luz da alvorada”. Essas referências não são isoladas: o nome também está diretamente ligado à astrologia, sendo associado ao planeta Vênus, que surge como a primeira fonte de luz no horizonte matutino, antes do sol, e é chamado de estrela da manhã ou estrela da alva.
E não para por aí. Segundo algumas tradições hebraicas, Lúcifer possui características angelicais e é considerado o primeiro filho de Deus, criado no primeiro dia da criação do mundo a partir do fogo. Algumas correntes místicas e ocultistas o descrevem como a mais bela e sábia criatura criada por Deus, um dos grandes querubins do céu.
No entanto, ele tentou usurpar o trono do seu Criador (Deus Yahweh) e se tornar igual a Ele, o que resultou em seu exílio do céu. Na tradução bíblica, Lúcifer (corrompido pelo pecado) é transformado em Satanás, que significa “adversário”, conforme os textos de Isaías (14:12-14) e Ezequiel (28:12-15).
Muitas interpretações se dividem em relação a essa passagem; por isso, não é possível afirmar com certeza se o autor se refere realmente a Lúcifer, o anjo que traiu Yahweh, ou ao Rei de Tiro, literamente no texto. Contudo, simbolicamente, muitos teólogos utilizam essa passagem da Bíblia para justificar a existência de Lúcifer (Satanás).
Assim, Lúcifer se torna um poderoso anjo caído, intensamente hostil a Deus e antagônico a todas as leis divinas. No entanto, há controvérsias, já que em nenhum trecho da Bíblia seu nome é mencionado diretamente.
O nome Lúcifer é de origem latina e integra a tradição religiosa dos antigos romanos, significando “portador de luz” (lux = luz + ferre = trazer). Esse termo equivale ao grego “phosphoros” (phos + pherein), que também remete à ideia de luz. Alguns textos, como o Livro de Melquisedeque (Atos Dois), revelam detalhes sobre esses mistérios e contribuem para a construção simbólica dessa figura.
Com vinte e duas colunas em aramaico, o livro de Melquisedeque traz informações sobre a criação do universo, a rebelião de Lúcifer (o primeiro anjo), além da história de Adão e Eva. Este livro também é conhecido como “apócrifo de Gênesis”. Apesar de não constar nas bíblias comuns (por ser apócrifo), Melquisedeque oferece algumas explicações contundentes sobre como tudo começou.
É notório que a existência de Lúcifer (o mais belo dos arcanjos) é marcada pelo orgulho e pela vaidade, o que o torna o maior representante do ego, da beleza e da impiedade, pois todo o orgulho está relacionado ao seu pecado. Com Lúcifer, entendemos que a beleza corre sempre o risco de se corromper, uma vez que todo elogio pode ser creditado à “vaidade”. Lúcifer foi o primeiro a manifestar tal sentimento, pois não lhe faltavam admiradores. Quando ele descobriu seu “Eu”, logo se colocou acima dos outros. Ao pronunciar “Eu”, Lúcifer quebrou a cadência da criação. Ou seja, todos os seres criados a partir de então eram “Nós”, mas Lúcifer era o “Eu”, e por isso caiu sobre si mesmo. Reza a lenda que Lúcifer caiu em uma terra chamada Golfo de Nápoles, onde o Monte Vesúvio até hoje lembra a sua queda.
Para combater Lúcifer, o Criador libera Miguel (o Arcanjo das batalhas), מִיכָאֵל (“Micha’el”), que significa “aquele que é semelhante, mas não igual a Deus”. Contudo, há quem diga que Miguel seja o primeiro Cristo, mas falaremos disso em outra ocasião. Logicamente, Lúcifer perde a batalha, mas vale lembrar um trecho do livro “Paraíso Perdido”, uma obra poética do século XVII escrita por John Milton, que ilustra bem esse acontecimento. Quando Lúcifer (Satanás) é questionado por seu auxiliar, que lamenta: “que triste, nunca mais veremos o céu”, Lúcifer responde: “Prefiro ser senhor no inferno do que escravo no céu; em outras palavras, aqui sou livre, enquanto lá serei um escravo”. De fato, essa frase ainda seduz muitas pessoas até hoje (liberdade). Uma liberdade que todos buscam incansavelmente, e por isso o mesmo pecado que levou Lúcifer a ser expulso do céu pode estar no coração de todos os homens até hoje; um tipo de pecado universal, o pior prazer de se sentir único. O livro Eclesiástico aprofunda essa tese, quando Salomão afirma: “vanitas vanitatum et omnia vanitas” (vaidade das vaidades, e tudo é vaidade).
É importante ressaltar que existem categorias sociais e profissionais nas quais encontramos um bom percentual de vaidade. Por exemplo, na teologia medieval, o pecado era típico da nobreza, assim como a teologia contemporânea é repleta de intelectuais, jornalistas, pastores, médicos, políticos, artistas etc. Enfim, pessoas que precisam da vaidade para manter a reatividade.
Em suma, há um aspecto filosófico um tanto “pessimista” no livro de Eclesiastes. Por isso, não finalizo o texto com minhas palavras, mas sim com as do grande sábio Salomão, que, ao perceber que tudo era “vaidade”, infelizmente foi consumido pela velhice. “O vento vai para o sul e faz seu giro para o norte; continuamente vai girando o vento e volta, fazendo seus circuitos. Todos os rios vão para o mar e, contudo, o mar não se enche; ao lugar para onde os rios vão, para ali tornam eles a correr. Todas as coisas são trabalhosas; o homem não pode exprimir; os olhos não se fartam de ver, nem os ouvidos se enchem de ouvir. O que foi é o que há de ser; e o que se fez isso se fará; de modo que nada há de novo debaixo do sol” (Eclesiastes 1:6-9).
Fontes de Pesquisa:
ALMEIDA, João Ferreira de. Bíblia Sagrada: tradução e versão de Almeida. Edição atualizada. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1995.
MELQUISEDEQUE. Livro de Melquisedeque. [s.l.]: [s.n.], [s.d.].
MILTON, John. Paraíso Perdido. São Paulo: Editora 34, 2000.
WIKIPÉDIA. Lúcifer. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%BAcifer.
